quarta-feira, abril 19, 2006

Para a Mônica Monteiro...

Há uns dias, a minha irmã Mónica, disse-me algo por telefone, que tem me feito pensar. Não fazia ideia de que eu pudesse ser a pessoa mais importante na vida de alguém.
Penso que muitas vezes, deixamos as coisas acontecerem, vivemos a nossa vida em função do trabalho, amigos, cuidar da casa, enfim, vivemos o dia-a-dia e esquecemo-nos de pequeninos detalhes que podem fazer com que nos sintamos melhor ou que possam fazer outra pessoa sentir-se também especial. Foi justamente o que aconteceu. Senti-me especial.
E essa verdadeira declaração levou-me novamente a recordações. Voltei ao passado, e dei-me conta que certos acontecimentos da minha vida estavam tão esquecidos na minha memória, que pareciam ser os da vida de outra pessoa.
Quando a nossa mãe Narcisa faleceu, a Mónica tinha apenas 5 dias de vida e eu, 5 anos, mas lembro-me perfeitamente desse dia 11 de Janeiro de 1968. Eu estava a brincar na nossa casa no Bairro Peixoto, Copacabana, com a Tina, minha babá, que junto com o Nilson, tentava distrair-me da enorme tragédia que bateu à porta da nossa família. Eu estava achar muito bom que a vó Nair e vô Rogério estivessem lá em casa, pensava que era alguma festa, com tantas pessoas que me eram queridas, ali, de um lado para o outro. Mas a história era outra, e não vale a pena remexer em feridas antigas. Depois de uns dias que me pareceram confusos, já não me lembro muito bem, chega aquela trouxinha branca com uma bonequinha viva, com uns tufos louros e olhos azuis. Era a minha irmã. Muito azáfama, e um tempo depois, estávamos a viver num lugar que eu adorava: Bicas. A casa da minha avó, no Bairro Santana, era como um refúgio. Amava aquele lugar.
Apesar de ter acontecido há tanto tempo, lembro-me perfeitamente da mexeriqueira no quintal, onde o tio Rogerinho construiu um baloiço, da Maria Fumaça, que passava todos os dias a horas certas, dos vizinhos, D. Assunta, D. Júlia, “Seu” Lindolfo, do pé de Romã no jardim da D. Assunta, da Gogóia, do “Sobe-e-desce”, que com a sua farda de polícia e grande bigode, eram o pretexto para que Waltencir conseguisse me aplicar alguma injeçao quando estava com gripe, da prima Nely, dos quindins na Padaria da Cleomar, dos vestidos curtos, rabo-de-cavalo e chinelinhos. Parafraseando Ataulfo Alves, “eu era feliz e não sabia…”
Nessa época, Bicas era muito diferente. O Bairro Santana parecia-me enorme, quando aos domingos, ia a casa da Grace, e à Piscina. Não havia casas na parte central, só o Ginásio Estadual, onde frequentei depois de acabar o Liceu. Ali, naquele enorme terreno, muitas vezes fui alimentar a minha imaginação infantil, cada vez que um circo chegava à cidade. Nem as ameaças, que o medo da minha avó em que qualquer coisa de mal nos acontecesse ou que alguém do circo me levasse, impediam-me de ir à tarde, depois da escola, ver os animais e tentar arranjar algum amiguinho da minha idade, para me contar como era aquela vida nômade, que me fascinava.

Sempre quis conhecer outras cidades. O mundo e as suas diversas culturas exerciam em mim, qualquer coisa como um encantamento. Colhia informações sobre a Austrália, Japão, Egito, adorava as aulas de Geografia, e devia ser uma das poucas da minha turma que ‘sorvia’ as palavras da Professora Lia, sobre as culturas egípcias, romanas, europeias. Sempre tive ‘sede’ em aprender tudo sobre o mundo. (Da última vez que fui ao Brasil, estive em Guarará e ainda tentei entrar em contacto com a professora Lia e o seu marido António Carlos, que foi também meu professor de Matemática, mas infelizmente não consegui)

A minha vontade de conhecer mundo trouxe-me à Europa. A faculdade de Jornalismo, em Portugal, deu-me bagagem cultural, o meu trabalho na Rádio Atlântico fez-me conhecer os meandros da sociedade algarvia. Mas onde quer que estejamos, o que realmente conta, a nossa personalidade, formada na infância e adolescência, não muda. Algumas arestas são limadas, mas continuamos lá. A família, os amigos, os primeiros professores, demonstrações de ternura e afecto, liberdade relativa e até mesmo os episódios tristes ou caricatos, formam a essência daquilo que somos hoje. E eu sou a mesma pessoa e continuo a derreter-me com demonstrações de carinho como esta, da minha irmã Mónica. Ela também é muito importante na minha vida, apesar da distância física que nos separa.

Sem comentários:

Enviar um comentário